Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região

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Manifesto contra internacionalização de Portos Pesqueiros

Desde junho de 2007 a mídia nacional divulgou informações que a Bahia e a região espanhola da Galícia aproximaram posições para a criação de um porto pesqueiro no litoral baiano.  Esta informação deixou todos os representantes do setor pesqueiro nacional temerosos e perplexos.

A CNI encaminhou Carta nº 495/2007 – PRES, de 04 de setembro de 2007, à Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef solicitando que o Governo brasileiro negue a concessão de portos pesqueiros livres aos países estrangeiros, sob pena de vermos prejudicado o desenvolvimento do setor pesqueiro nacional.

O Governo Federal já se posicionou desfavorável à internacionalização dos portos pesqueiros brasileiros, conforme E.M. Interministerial nº 003/2007 – SEAP/PR/MMA/MRE, devidamente assinada por três Ministros de Estado (para visualizar clique aqui). Ressalta-se que o supramencionado instrumento é o documento técnico oficial do Governo sobre o presente tema que fornece uma base de informações ao Presidente Lula para reunião com as autoridades da Espanha.

Acompanhe abaixo os posicionamentos em ofícios do Sindipi, Conepe, Saperj e do pesquisador Fábio Hazin sobre o assunto:

 

Ofício do Sindipi:

 

 

 

 

Of. 130/2007

 

 

Itajaí, 31 de agosto de 2007.

 

 

Ao Excelentíssimo Senhor

LUIZ INÁCIO DA SILVA

Presidente da República

Brasília – Distrito Federal.

 

 

Excelentíssimo Senhor Presidente,

 

 

Inicialmente gostaria de cumprimentá-lo pela condução que vem imprimindo ao nosso País desejando-lhe sucesso em suas diretrizes.

 

Gostaríamos de tecer considerações sobre a importÂncia da pesca oceÂnica brasileira e como é praticada.

 

1.      Existe em nosso país uma frota que realiza a pesca oceÂnica com embarcações de pequeno porte (14 metros) e que não é computada pelos órgãos oficiais, somente agora depois de cinco anos de existência da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, que esta Secretaria (Seap) esta tomando conhecimento que ela existe. Porém é uma frota grande que não apresenta condições de segurança e condições mínimas de conforto para os pescadores (trabalhadores) exercerem suas atividades na distÂncia de 100 milhas da costa, região predominante para captura das espécies de atuns e afins.

 

2.      A segunda frota formada é por embarcações oriundas de outras modalidades de pesca que foram equipadas com os apetrechos     necessários para desenvolver este tipo de captura, são embarcações que apresentam     capacidade de navegação e segurança com vistorias  e  despachos  junto  a

    

 

     Marinha do Brasil, porém sua capacidade de captura e conservação do pescado é limitada, haja vista, não ter sido uma frota construída para este fim, tendo sido adaptada, desta forma não apresenta a eficiência de embarcações especificamente construídas para este fim.

 

3.      A terceira frota é formada por embarcações construídas em nosso país especificamente para a pesca de atuns e afins (long-line), esta é uma frota menor, e mesmo construída para esta modalidade, sofre restrições comparadas com as frotas estrangeiras pela capacidade financeira de nossos amadores que se alto financiam e a grande carga de impostos para importação de equipamentos modernos.

 

4.      A quarta frota é constituída por embarcações para pesca de atum de isca viva, ou seja, pesca de atum de vara, esta praticamente limitada às regiões Sul e Sudeste, com predominÂncia na região Sul, e basicamente abastecem as enlatadoras existentes na região em franco desenvolvimento com a construção de várias novas embarcações.

 

5.      O projeto do PROFROTA que foi instituído pelo seu Governo para o financiamento de uma frota nacional para pesca oceÂnica e reforma das embarcações costeiras para sua modernização encontra-se travado, tendo em vista ter sido liberado algo entorno de R$ 3.700.000,00 (três milhões e setecentos mil reais) para financiamentos parciais de duas embarcações (ambas para pesca de atum), já que o valor acima citado é insuficiente para construção de uma única embarcação.  Quanto  à  reforma  e  modernização    das embarcações pesqueira prevista no PROFROTA até o presente momento nada foi liberado ou feito em virtude desses recursos atingirem basicamente os pequenos armadores e estes se sentem  alijados  do

     processo ao verem as dificuldades dos grandes conseguirem recursos os pequenos nem se atrevem.

 

6.      Isto posto, gostaríamos de salientar que a frota estrangeira que vem bater na nossa porta solicitando apoio logístico só o faz porque nosso país é dito como a ultima fronteira a ser conquistada. Esclarecendo é uma frota migratória que pescou ao redor do mundo com sua eficiência e tecnologia de ponta, agora vem no Brasil à oportunidade de dizimar os melhores estoques existentes de atuns e afins, aonde os peixes são de tamanhos grandes e rentáveis economicamente, enquanto lá fora a captura é realizada de atuns e afins juvenis que já não conseguem mais chegar ao tamanho adulto para procriação devido o esforço de pesca. Ao norte da África estes juvenis eram capturados com o tamanho de 800g (oitocentas gramas) o que levou as indústrias pararem de comprar em novembro de 2006, e voltarem seus interesses a captura no Brasil. Senhor Presidente, não podemos voltar à condição de país colônia, se existe por parte do mundo interesse em nossas reservas que estas sejam levadas com todos os valores agregados possíveis, gerando receitas e empregos em um país pobre e necessitado com o nosso. Estamos tratando de nada mais e nada menos que alimentos e proteína animal da mais alta qualidade.

 

7.      Nosso empenho e frustração nestes anos é que poderíamos sim, com atitudes corretas aumentar estas ofertas ao nosso povo de proteínas, como conseguimos fazer com a sardinha em nossa região  aonde  os  estoques 

se encontravam em um patamar perigoso de 12% (doze por cento) do historicamente capturado ao ano e hoje com atitude certa tomada aonde o setor foi ouvido já estamos no patamar de 70% (setenta por cento) em apenas três anos o que veio a diminuir o preço do produto deixando mais acessível a população e contribuindo com um dos alimentos mais completos para a saúde.

 

8.      Assim gostaríamos de ratificar as colocações do Dr. Fabio Hazin e do Conselho Nacional de Pesca – Conepe, e posicionarmo-nos contra a cessão dos portos brasileiros a frota de outros países.

 

 

Sem mais para o momento e colocando-nos a disposição para quaisquer esclarecimentos que pensar necessário. Subscrevemo-nos.

 

 

 

Respeitosamente,

 

 

 

Antônio Carlos Momm

Presidente Sindipi

 

 

 

 

 

Ofício do pesquisador Fábio Hazin:

 

 

 

 

 

 

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE PESCA E AQÃœICULTURA

Desenvolver a Pesca OceÂnica Nacional ou ceder às frotas internacionais o livre acesso aos portos brasileiros ?

 

Razões estratégicas para uma política de governo

e o que está por trás da proposta da Espanha de um terminal pesqueiro

 

por Fábio Hazin[1]

(Diretor do Departamento de Pesca e Aqüicultura da UFRPE

e Representante Científico do Brasil junto a ICCAT[2])

 

         Com o esgotamento dos recursos pesqueiros costeiros, uma das últimas alternativas para o crescimento da produção brasileira de pescado, excetuando-se a aqüicultura, reside na pesca oceÂnica, voltada para a captura de atuns e espécies afins (albacoras, espadarte, agulhões, tubarões, cavalas, dourado, etc.). A pesca oceÂnica pode ser considerada, assim, como ``a última fronteira´´ a ser desbravada pelo setor pesqueiro nacional. Anualmente, são capturados no Oceano AtlÂntico e Mar MediterrÂneo, cerca de 600 mil toneladas dessas espécies equivalendo a um valor de comércio da ordem de US$ 4 bilhões. Desse total, infelizmente, o Brasil participa, ainda, com cerca de apenas 7%. Considerando-se, porém, que aproximadamente a metade da captura nacional atualmente é de bonito listrado, uma das espécies de atum de menor valor comercia e capturada quase que inteiramente dentro da Zona Econômica Exclusiva brasileira (200 milhas), com barcos de pequeno porte, a sua participação em termos comerciais é ainda muito mais tímida. As principais dificuldades para o desenvolvimento da pesca oceÂnica nacional são a falta de mão-de-obra especializada, de tecnologia e de embarcações adequadas, as quais, devido ao seu elevado custo, encontram-se, muito comumente, além da capacidade de investimento das empresas de pesca nacionais. No intuito de superar tais dificuldades e de fomentar o desenvolvimento da pesca oceÂnica, o governo brasileiro tem realizado um grande esforço, a partir de diversos instrumentos, que incluem desde o arrendamento de barcos estrangeiros, passando pela sua importação, até o apoio à construção de embarcações pesqueiras no país, através do Programa PROFROTA Pesqueira, aspecto crucial para a consolidação de uma frota genuinamente nacional, sem o que o País jamais conseguirá ingressar de forma definitiva no fechado clube dos grandes pescadores de alto mar.

         Ocorre que os atuns e afins são espécies altamente migratórias com suas populações distribuindo-se por todo o Oceano AtlÂntico ou hemisfério oceÂnico. A albacora bandolim capturada por barcos nacionais, por exemplo, pertence à mesma população explorada pelos barcos norte-americanos na costa do Maine, ou pelos barcos espanhóis na Baía de Biscay, uma vez que há uma única população em todo o AtlÂntico. Já a albacora branca que o Brasil captura no nordeste brasileiro faz parte do mesmo estoque explorado pelos sul-africanos e namibianos, na costa africana. Ou seja, são todos estoques internacionais, explotados simultaneamente por vários países. Não existe, assim, atum brasileiro. O atum brasileiro é somente aquele pescado por barcos nacionais ou estrangeiros arrendados a empresas brasileiras e desembarcado nos portos do País. É exatamente em função disto, por serem recursos internacionais e altamente migratórios, que o seu ordenamento tem que ser realizado por um organismo internacional, no caso a Comissão Internacional para a Conservação do Atum AtlÂntico- ICCAT, da qual o país é membro desde a sua fundação, aliás, na cidade do Rio de Janeiro, em 1966. A ICCAT possui um corpo científico, denominado de Comitê Permanente de Pesquisa e Estatística (SCRS- Standing Committee on Research and Statistics), integrado por pesquisadores dos vários países membros, e uma Comissão política. De uma maneira simplificada, a ICCAT funciona da seguinte forma: todos os anos o SCRS se reúne e define os limites sustentáveis de captura das diversas espécies explotadas. Subseqüentemente, a Comissão política decide como a captura máxima permitida (TAC- Total Allowable Catch) será repartida entre os vários países membros. Um ponto fundamental, neste contexto, é que a grande maioria, se não a totalidade, das espécies de atuns e afins já estão sendo capturadas no limite de suas capacidades máximas sustentáveis, ou seja, não há, concretamente, como se ampliar a captura total de atuns no Oceano AtlÂntico sem comprometer a sustentabilidade do recurso. Neste sentido, a posição do governo brasileiro tem sido sempre a de defender o respeito aos limites máximos sustentáveis de captura, com a mesma ênfase com que tem defendido, porém, o direito do País de desenvolver a sua pesca oceÂnica. Ou seja, o tamanho da torta de atum do AtlÂntico deve ser respeitado, mas o tamanho da fatia brasileira tem que aumentar. Assim sendo, é evidente que o crescimento da produção nacional de atuns e afins implicará necessariamente a redução das capturas por parte dos países pesqueiros tradicionais, como Espanha, Japão, Taiwan, etc. Considerando-se que esta atividade no Oceano AtlÂntico envolve valores da magnitude de US$ 4 bilhões, conforme dito acima, é fácil compreender a forma agressiva com que os países pesqueiros tradicionais têm defendido a sua hegemonia histórica nesta atividade. É óbvio, também, que o atum que o Brasil não pescar, será pescado por outras nações.       

O que precisa ser compreendido é que há, claramente, uma guerra pelos recursos atuneiros do AtlÂntico, travada entre os países pesqueiros tradicionais e os países em desenvolvimento com pescarias emergentes. É dentro deste contexto político internacional que o pleito de alguns países, notadamente a Espanha, de se utilizar de portos brasileiros tem que ser analisado.

Acontece que alguns dos principais estoques de atuns no Oceano AtlÂntico encontram-se exatamente em frente a costa brasileira, a poucas milhas de distÂncia. A albacora branca, por exemplo, apresenta uma das suas maiores concentrações em frente a costa nordeste do Brasil, que poderia estar produzindo anualmente um volume desse pescado da ordem de 10.000 t. Considerando-se que esta espécie é também uma das que apresenta o maior valor em conserva, o desenvolvimento de sua pescaria poderia também estimular o surgimento de uma indústria de enlatamento na região.

         É preciso, também, contextualizar o momento político atravessado pela ICCAT hoje. A entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em novembro de 1994, e do Acordo das Nações Unidas sobre as Espécies de Peixes Transzonais e Altamente Migratórias, em Dezembro de 2001, estabeleceu um arcabouço jurídico com base no qual os países pesqueiros em desenvolvimento conquistaram uma condição muito mais favorável de ampliar as suas quotas de captura, a partir do pleno reconhecimento do seu direito de desenvolverem a sua pesca oceÂnica. Foi com base nestes e em outros instrumentos jurídicos internacionais, como o Código de Conduta para uma Pesca Responsável, da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), com os seus Planos Internacionais de Ação correlatos, que o Brasil conseguiu aprovar na ICCAT, em novembro de 1998, um Grupo de Trabalho para a Definição de Novos Critérios para Alocação de Quotas de Captura. Finalmente, em 2001, após 4 longas reuniões, marcadas por negociações duríssimas, a ICCAT terminou por aprovar uma lista de 27 novos critérios, em substituição ao critério de capturas históricas, até então utilizado de forma quase que exclusiva pela Comissão na distribuição de quotas de captura. Entre os novos critérios aprovados, incluem-se, por exemplo, a ocorrência do estoque na Zona Econômica Exclusiva do país, a necessidade de se privilegiar a pesca artesanal e de pequena escala, a importÂncia do estoque para as comunidades costeiras, entre outros. A vitória dos países em desenvolvimento foi resultado de sua sólida argumentação jurídica, fundamentada nos instrumentos citados. Segundo o critério de capturas históricas, as quotas eram tradicionalmente divididas em função dos montantes capturados pelo País nos últimos anos, ou seja, os países desenvolvidos com pescarias tradicionais perpetuavam a sua hegemonia, enquanto os países em desenvolvimento viam tolhido o seu direito legítimo de desenvolverem a sua pesca oceÂnica. Assim foi que em uma reunião realizada na Paraíba, em Julho de 1997, ao Brasil coube apenas 16% (2.340 t) da quota do espadarte do AtlÂntico Sul, cabendo à Espanha e ao Japão (países sem costa no AtlÂntico Sul), respectivamente, 40% e 26%. Vale ressaltar que até o ano de 1987 a Espanha não possuía qualquer captura no AtlÂntico Sul. Naquele ano, em decorrência da aplicação de medidas de limitação das capturas no AtlÂntico Norte, a Espanha deslocou boa parte da sua frota para o AtlÂntico Sul com o objetivo óbvio de construir um histórico de captura, que assegurasse a sua hegemonia quando de uma futura alocação de quotas, como de fato aconteceu. De zero t, em 1987, a captura espanhola de espadarte no AtlÂntico Sul alcançou já no ano seguinte, em 1988, 4.400 t, saltando para 9.622 t, em 1996, ano anterior ao da reunião da Paraíba, 1997, quando as quotas de captura para os anos de 1998 a 2000 foram estabelecidas.

         Nas reuniões da ICCAT em 2000 e 2001, grande parte em função de um endurecimento da posição brasileira, não foi possível se alcançar um consenso para distribuição das quotas de espadarte no AtlÂntico Sul. Finalmente, na reunião da ICCAT realizada em Bilbao, em 2002, com base nos novos critérios de captura, a delegação brasileira conseguiu aumentar a quota para o País no AtlÂntico Sul, de 2.340 t, para 4.086 t, em 2003, crescendo deste ano em diante até atingir 4.365t (ou 27,2% do total), em 2006. Além disto, conquistou, também, pela primeira vez, o direito de pescar até 200 t no AtlÂntico Norte, além de haver sido perdoado da penalidade de 1.500 t que deveria descontar em função do seu excesso de captura em 1998. Em função dessas conquistas, imediatamente após a reunião da ICCAT, o Governo da Espanha, em retaliação, proibiu a continuidade das operações dos barcos espanhóis arrendados a empresas brasileiras. O despacho do Secretário Geral de Pesca Marítima do Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação da Espanha, datado de 05/12/01, no qual baixa a referida ordem, é bastante esclarecedor acerca de como as autoridades daquele país compreendem a gestão dos recursos atuneiros do AtlÂntico:

``As razões para impedi-lo (o arrendamento) são sólidas e se fundamentam na melhor defesa do patrimônio espanhol gerado pelos direitos históricos na pesca de espadarte e outras espécies reguladas pela ICCAT´´.

         Uma grande dificuldade enfrentada pelo País no processo de negociação foi, e continua sendo, o fato dos principais adversários serem também os nossos principais mercados (Espanha, EUA e Japão). Assim, o Brasil tem disputado com estes países o direito de pescar mais para vender o peixe capturado para eles próprios. É evidente, que tal circunstÂncia torna o País altamente vulnerável, em função da possível utilização por parte dos mesmos de barreiras comerciais, sejam estas de natureza tarifária ou não. Recentemente, tal postura tem se refletido na imposição pela Comunidade Européia, por pressão da Espanha, de uma série de exigências sanitárias para o pescado brasileiro, como a necessidade de se realizar teste para controle de histamina, através de Cromatografia Líquida de Alta Performance, com um grande impacto no setor pesqueiro nacional em função dos elevados custos de tal exame. Note-se que tal exigência não existe para o Uruguai, país que, diferentemente do Brasil, preferiu abrir os seus portos aos barcos espanhóis invés de investir na formação de uma frota própria.

Um outro argumento recorrente tem sido o de que o país não deve receber quotas de captura se não tem a capacidade de utilizá-las de forma plena. Neste contexto, uma outra batalha dificílima, finalmente vencida também na reunião da ICCAT em Bilbao, foi o reconhecimento formal por parte da Comissão, refletido na Recomendação 02/21 (Art. 5), de que as capturas realizadas pelos barcos arrendados pertencem ao país arrendatário (Brasil). Note-se que esta batalha vem sendo travada também em outros fóruns internacionais, particularmente no Comitê de Regras de Origem, da Organização Mundial do Comércio (OMC). Aliás, pulverizar a agenda internacional da pesca em diversos fóruns tem sido uma das estratégias dos países pesqueiros tradicionais para preservar a sua hegemonia, apostando na tradicional dificuldade dos países em desenvolvimento de acompanhar os desdobramentos internacionais, em decorrência de suas históricas deficiências de coordenação interna.

         Enfim, com a retirada dos barcos espanhóis arrendados, em 2001/ 2002, a aposta da Espanha foi a de que o Brasil não conseguiria utilizar a integralidade de sua quota de 2003 em diante, o que de fato se confirmou. Apesar disto, o Brasil conseguiu, na última reunião da ICCAT realizada em Dubrovnik, na Croácia, em novembro do ano passado, ampliar mais uma vez a sua quota de captura para 4.720 t, para os anos de 2007 a 2009.

Cabe ressaltar que embora a batalha dos países em desenvolvimento pelo direito de ampliarem as suas cotas capturas, de certa forma, já tenha sido vencida a partir da aprovação dos novos critérios, a ``janela´´ de oportunidade que se criou, rapidamente se fechará, agora, a partir da disputa entre esses mesmos países, que já iniciaram uma verdadeira corrida para ocupação deste espaço. Gradualmente, esta janela também se fechará, tornando-se bem mais difícil o ingresso de novos países na pesca oceÂnica daqui a alguns poucos anos. A hora do Brasil se consolidar como um país pesqueiro oceÂnico, portanto, é agora. Se perdermos esta oportunidade, dificilmente teremos uma segunda chance. Neste contexto, é preciso muita cautela na condução da política nacional para o desenvolvimento da pesca oceÂnica de atuns e afins, uma vez que um movimento precipitado, particularmente a partir de iniciativas localizadas, poderá comprometer, de forma irreversível, todas as conquistas obtidas pelo País até o momento. É neste contexto que a proposta da Espanha de criação de um terminal pesqueiro no Estado de Pernambuco tem que ser analisada.

         Uma das poucas, se não a única, vantagem comparativa que o Brasil possui em relação às frotas oceÂnicas no AtlÂntico Sul é a proximidade dos seus portos das áreas de pesca. Registre-se, neste sentido, que as embarcações nacionais são obrigadas a competir pelos recursos pelágicos do AtlÂntico Sul, com as frotas estrangeiras, particularmente a espanhola e japonesa, pesadamente subsidiadas (em até 80% do seu valor), com um custo financeiro que representa uma pequena fração da realidade brasileira, com tecnologia mais sofisticada e mão-de-obra infinitamente melhor qualificada. Não é um desafio de pouca monta. Se diante de tal cenário o Brasil decidir franquear a utilização dos seus portos pela frota internacional estará, evidentemente, anulando a principal vantagem comparativa que possui o que invariavelmente resultará no aniquilamento das pretensões brasileiras de desenvolver a sua pesca oceÂnica. O que claramente se coloca, portanto, é qual futuro o Brasil prefere. Conceder às frotas internacionais o livre acesso aos portos brasileiros, e ficar literalmente a ver os navios estrangeiros pescando em nosso quintal, ou enfrentar o desafio de desenvolver a sua pesca oceÂnica. Cabe destacar, ainda, que tal desenvolvimento não diz respeito apenas à produção de pescado, nem à geração das divisas, empregos e renda dela resultantes, ele implica também a efetiva ocupação, não apenas da Zona Econômica Exclusiva, mas das águas internacionais do AtlÂntico Sul. A decisão do Estado brasileiro foi, e não poderia ser outra, pelo desenvolvimento do setor pesqueiro nacional. Diante de tal estratégia, a cessão dos portos nacionais às frotas estrangeiras é claramente incompatível e de todo indesejável. É isso que a Espanha quer. Uma alternativa inteligente seria propor às autoridades espanholas o estabelecimento de empresas daquele País no Estado de Pernambuco, seja por meio de joint ventures ou não, o que permitiria ao País ampliar a sua participação na pesca oceÂnica do AtlÂntico. Exatamente por esta razão, porém, é que a Espanha tem sempre se mostrado extremamente resistente a propostas desta natureza, não havendo nenhum sinal recente de mudança de tal posição. Pelo contrário, o que se tem visto é um endurecimento refletido nas recentes exigências sanitárias. Esse é o contexto.

 

Ofício do Conepe:

 

 

EXPEDIENTE n. 292/2007

Brasília, 03 de setembro de 2007.

 

 

À Sua Excelência o Senhor

Luis Inácio Lula da Silva

Presidente da República Federativa do Brasil

Brasília - DF

 

 

 

Assunto: Ameaça de Internacionalização de Portos Pesqueiros, em detrimento ao Desenvolvimento da Pesca OceÂnica brasileira.

 

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

O Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca – CONEPE, entidade representativa da classe empresarial que congrega o setor pesqueiro e aqüícola nacional, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por meio do seu Presidente abaixo assinado, se posicionar sobre possível internacionalização de portos pesqueiros para embarcações estrangeiras que pretendem operar no AtlÂntico Sul (costa brasileira), pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

 

1.                  ImportÂncia do Setor Pesqueiro: Produção de pescado estimada em 1.200 mil toneladas por ano, frente a uma produção mundial de 126 milhões de toneladas, o que tem sido tomada como pequena, principalmente considerando os 8,5 mil quilômetros de costa, 12% do total da reserva mundial de água doce disponível no mundo, os seus milhões de quilômetros quadrados de Zona Econômica Exclusiva - ZEE e os milhões de hectares de águas represadas, estuários e terras alagadas produtivas.

 

2.                  ImportÂncia da Pesca OceÂnica para o Brasil: Com o esgotamento dos recursos pesqueiros costeiros, a pesca oceÂnica (voltada para a captura de atuns e espécies afins) se configura, atualmente, como uma das alternativas viável para o crescimento da produção brasileira de pescado. Sendo, anualmente, capturados no Oceano AtlÂntico e Mar MediterrÂneo, cerca de 600 mil toneladas dessas espécies equivalendo a um valor de comércio da ordem de US$ 4 bilhões.

 

3.       Ações do governo brasileiro na busca do desenvolvimento da pesca oceÂnica:

 

a) Conquista do aumento das cotas de capturas no AtlÂntico Os atuns e afins por serem espécies migratórias, têm o seu ordenamento realizado por um organismo internacional, denominado de Comissão Internacional para a Conservação do Atum AtlÂntico - ICCAT, da qual o Brasil é membro desde a sua fundação. As espécies de atuns e afins, na sua maioria, já estão sendo capturadas no limite de suas capacidades máximas sustentáveis, não havendo, concretamente, como se ampliar à captura total de atuns no Oceano AtlÂntico sem comprometer a sustentabilidade deste recurso. Neste sentido, o governo brasileiro se posiciona defendendo o respeito aos limites máximos sustentáveis de captura, sem deixar de defender o direito do País de desenvolver a sua pesca oceÂnica.

 

         Com isso, o Brasil, por meio da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República – SEAP/PR, junto aos países costeiros do AtlÂntico Sul, no Âmbito da ICCAT, lidera a luta pelo estabelecimento de novos critérios para ampliação de suas cotas, posição que vai de encontro aos interesses dos países pesqueiros tradicionais, que defendem a manutenção da utilização do critério histórico das pescarias (ex. Japão, Espanha, Taiwan). Essa situação condena os países costeiros em desenvolvimento, por não terem tradição na pesca oceÂnica, a serem meros entrepostos de pesca dos países desenvolvidos, sem condições de usufruir os direitos conquistados com a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar – COVEMAR e o Acordo das Nações Unidas sobre as Espécies Transzonais e Altamente Migratórias, que assegura o pleno direito aos países pesqueiros em desenvolvimento de ampliar a sua pesca oceÂnica.

 

b)