Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região

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Mais brasa para a sardinha do estado

Ao confessar publicamente, às vésperas de assumir o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), que não sabia nem mesmo colocar uma minhoca em um anzol, Marcelo Crivella (PRB-RJ) acionou o “desconfiômetro” de empresários e lideranças do setor. De caráter político, a nomeação do então senador carioca ao cargo – ele é engenheiro civil por formação – deixou um mar de incertezas. Em Santa Catarina, o anúncio veio acompanhado de uma dose dupla de preocupação. Criada em 2003 através de uma medida provisória, a pasta já teve três titulares catarinenses: José Fritsch, Altemir Gregolin e Ideli Salvatti, que apesar de nascida em São Paulo, construiu sua base e carreira políticas aqui. Mesmo com toda essa representatividade, as medidas implantadas nos últimos anos para fomentar o segmento foram tímidas e muito aquém das expectativas. O receio, portanto, fazia sentido. Afinal, se nem a proximidade com os principais gestores ajudou a garantir melhores e efetivas condições para indústrias e produtores locais, o que esperar de um ministro de fora, que revelou ser incapaz de executar até uma das mais simples tarefas de uma pescaria?

Crivella, o quinto comandante do MPA em menos de dez anos, admitiu que estava assumindo o cargo “para aprender”, com “espírito público”. Mesmo cercado por olhares duvidosos, o ex-senador tem surpreendido o setor, de certa forma, no pouco tempo à frente da pasta. Essa é a opinião de Attílio Leardini, presidente da Leardini, uma das maiores empresas de pescado do Brasil. “Ele vem mostrando uma enorme disposição para dar ao peixe a mesma importância econômica desfrutada pela carne bovina e de frango”, comenta o empresário. Uma das primeiras ordens expressas de Crivella foi dar mais agilidade à concessão de licenças de pesca de algumas espécies, como a tainha. “Elas estavam sendo entregues depois das safras”, lembra Geovani Monteiro, presidente do Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), entidade que reúne 245 armadores, 55 indústrias e gera 20 mil empregos diretos na região. A dinâmica imposta pela nova gestão, no entanto, ainda representa muito pouco diante das aspirações do setor.

O Brasil tem uma das maiores faixas litorâneas do planeta, com cerca de 8 mil quilômetros de extensão, que vai do Amapá ao Rio Grande do Sul. Apesar do vasto potencial para a atividade, o país tem uma participação acanhada na produção mundial de pescado, que considera tanto a pesca extrativista quanto a aquicultura – produção de peixes e frutos do mar em cativeiro. A liderança disparada é da China, que captura cerca de 60,4 milhões de toneladas ao ano, quase sete vezes mais que a segunda colocada, a Indonésia (9,8 milhões). Dados mais recentes do MPA mostram que o Brasil figura na 18ª colocação no ranking, com 1,24 milhão, o equivalente a apenas 0,86% da produção global.

Desse total, a pesca extrativista responde por 785,3 mil toneladas (62,1%), enquanto a aquicultura é responsável por 479,3 mil toneladas (37,9%). Estima-se que, somadas, essas duas atividades empreguem 5 milhões de brasileiros.

 

Renato Iung Henrique, da Costa Sul. Companhia é uma das únicas sem frota própria – tudo é comprado de produtores terceirizados.

Dentro desse cenário, Santa Catarina se destaca como o maior produtor nacional de pescado, capturando 183,7 mil toneladas – o resultado, contudo, é considerado ruim e se deve principalmente à baixa de 50% na pesca da sardinha-verdadeira, um dos carros-chefes da atividade por aqui. Ainda assim, o número representa expressivos 14,5% do total do país. São 40 mil toneladas a mais que o Pará, que ocupa a segunda posição. O Estado tem hoje 31,3 mil pescadores registrados, o quarto maior índice do Brasil. Mas é a pesca industrial quem faz a diferença. A modalidade é responsável por 113,9 mil toneladas, 62% do total do Estado. Itajaí e Navegantes, que formam o principal polo pesqueiro do país, concentraram quase 82% desse contingente. Na região estão instaladas a Gomes da Costa e a Camil, as duas maiores fábricas brasileiras de enlatados marinhos – responsáveis por 80% da produção nacional desse tipo de produto – além de outras importantes indústrias do segmento, como Costa Sul e Leardini.

As condições naturais e a infraestrutura do complexo portuário do litoral norte, somadas à frota mais moderna do país e à excelência da mão de obra de armadores e capitães de embarcações, são apontadas como os grandes atributos de Santa Catarina no segmento e principais responsáveis pela liderança na produção nacional. Foi por causa disso que a Costa Sul, que comercializa peixes, crustáceos e moluscos, transferiu sua matriz para Navegantes no final de 2002. “Viemos para cá por causa desses diferenciais e por ser uma região forte na área pesqueira”, lembra o gerente administrativo Renato Iung Henrique. Com 640 funcionários e um parque industrial de 12,5 mil metros quadrados, a empresa, ao contrário da maioria das demais, não possui frota marítima própria para a pesca. Toda a produção vem de fornecedores terceirizados. Também são importadas algumas espécies, como merluza, bacalhau, salmão e panga.

Por não fazer a captura direta, a Costa Sul talvez represente uma exceção entre as indústrias do setor. A maioria delas está no meio de um conflito que envolve os ministérios da Pesca e do Meio Ambiente. Enquanto o primeiro busca incentivar o aumento da produção, o segundo está preocupado em preservar os recursos naturais. Para Paulo Ricardo Schwingel, coordenador do Grupo de Estudos Pesqueiros da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), a saída para o impasse seria a administração sustentável da atividade, através da implantação dos Comitês Permanentes de Gestão, previstos desde 2009, mas que até hoje não saíram do papel – eram para ser 23, mas só existem dois em funcionamento em todo o país. Ele alerta que a natureza já está no limite da sua capacidade. “Cada recurso pesqueiro tem um comportamento diferente em termos de capacidade de regeneração. A sardinha, por exemplo, tem uma fecundidade altíssima e pode se recuperar logo, ao contrário do peixe-sapo, que demanda mais tempo”, explica.

Marcelo Crivella, ministro da Pesca (ao centro na mesa). Apesar da inexperiência, tem ganhado elogios dos empresários.

O especialista defende a realização de pesquisas que indiquem o total de biomassa presente nos mares. Esses estudos ajudariam a determinar a quantidade que poderia ser pescada sem causar desequilíbrios no ecossistema. “Países como Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália conseguem recuperar seus estoques porque fazem estudos de biomassa”, acrescenta Geovani Monteiro, presidente do Sindipi. Esses levantamentos são considerados indispensáveis porque o cultivo de peixes, ao contrário de outras atividades agrícolas, não pode ser manipulado. As criações de bovinos, frangos e suínos, que também são muito fortes no Estado, por exemplo, possuem uma série de variáveis que podem ser controladas, como seleção de matrizes, eliminação de pragas e engorda dos animais. “Na pesca, a única coisa que você pode controlar é o quanto você pesca. Nós a exploramos comercialmente e esperamos que a natureza faça todo o resto”, esclarece Schwingel.

Diante dessa realidade, é possível observar dois movimentos bem nítidos na atividade pesqueira. O primeiro deles é a expansão da aquicultura, tanto no Brasil como em outros países – na China, por exemplo, é a atividade predominante. Por aqui, ao contrário da pesca extrativista, o setor chegou à produção anual de 479,4 mil toneladas. Santa Catarina responde por 58,1 mil toneladas. Em tese, a aquicultura seria uma opção mais rentável porque permite a manipulação da produção e o controle da oferta e demanda. Entretanto, Schwingel alerta que a atividade pode causar sérios impactos ao meio ambiente, tanto no aspecto paisagístico quanto na modificação de áreas naturais. “Nas regiões Norte e Nordeste, grandes áreas de manguezais estão sendo usadas para cultivo de camarão. Então se destrói um ecossistema-chave da costa para transformá-lo em fazenda do produto”, afirma.

 

 

Giovani Monteiro, do Sindipi. Ele havia entrado com uma ação antidumping no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Contudo, foi negada.

O segundo movimento é o aumento das importações. Assim como outros setores da economia, a atividade pesqueira vem sofrendo com a invasão de importados asiáticos, que a exemplo de outros produtos chegam ao país com qualidade inferior. No ano passado, as importações nacionais alcançaram US$ 263,9 milhões, incremento de 14,6% em relação a 2010. A baixa tributação imposta aos importadores ajuda a intensificar o processo. Giovani, do Sindipi, reconhece que existe, sim, a necessidade de importar peixe, mas critica o modo como isso vem ocorrendo. “Esse pescado da Ásia já vem embalado, pronto para a venda. Isso afeta toda a cadeia local, que deixa de gerar empregos”, avalia. O Sindipi entrou com uma ação de antidumping – medida que busca neutralizar os efeitos danosos à indústria – no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em dezembro do ano passado, mas não obteve êxito. O grande receio é que a compra em grande escala de produtos do exterior cause um processo de desindustrialização do setor, como já vem sendo observado em outras atividades econômicas no Estado.

A carga tributária, um lamento de todos os ramos da economia no Brasil, também dificulta a competição com os importados. Giovani lembra que produtores de bovinos, suínos e frangos possuem, por exemplo, subsídios de PIS/Cofins na folha de pagamento. “Nenhuma parte do setor pesqueiro tem esse tipo de benefício tão importante. Seria até uma questão de isonomia com as outras atividades”, reclama. Linhas de crédito do governo para incremento e modernização de barcos de pesca estão congeladas, atrasando e comprometendo o desenvolvimento do setor. “Já está mais que na hora do governo fazer uma reforma tributária justa. Mas não adianta acabar com um imposto ou mudar outro de nome. Tem de ser algo que realmente vise à contenção de gastos dos empreendimentos como um todo”, sugere Renato Iung Henrique, da Costa Sul.

Paulo Ricardo Schwingel, da Univali. “A carne de peixe tem uma série de benefícios à saúde que podem ser usados como argumento em campanhas para o aumento do consumo”.

Apesar de todos os percalços, as expectativas para o setor seguem otimistas. A Leardini aposta em várias frentes de trabalho, que incluem ampliação de portfólio e parcerias de compras, para crescer 30% este ano. A Costa Sul vai investir em melhorias no setor de embalagens e na ampliação das câmaras de estocagem, que vão dobrar de tamanho, passando de uma capacidade de 4 mil para 8 mil toneladas. A empresa projeta um incremento de 20% nas vendas. Isso tudo porque o peixe parece estar caindo nas graças do brasileiro, apesar de ainda ser considerada uma carne cara em relação às outras. O consumo tem subido ano após ano e já chegou a uma média anual de 9,5 kg per capita, índice abaixo dos 20 kg recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Portanto, há muito mercado a ser explorado. “Culturalmente falando, o consumo de outras proteínas é significativamente maior do que o consumo de pescado. Isso acontece principalmente pelo desconhecimento de como prepará-lo e seus benefícios para a saúde”, justifica Luiz Valle, presidente da Cavalo Marinho, empresa que recentemente teve suas ações adquiridas pela Leardini. “É preciso mostrar os diferenciais do peixe, que é uma carne rica em ômega 3 (que ajuda na redução do colesterol ruim e pressão arterial, além de combater doenças como diabetes e câncer) e menos gordura”, acrescenta Schwingel.

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